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blog sobre Economia.

quinta-feira, maio 11, 2006

Evo Morales e a teoria dos jogos

Saiu um artigo muito interessante na imprensa sobre Evo Morales e a Teoria dos Jogos.

A Teoria dos Jogos se baseia em uma forma abstrata de raciocínio que surge da combinação entre matemática e lógica, e compara as apostas dos jogadores com os resultados finais dos jogos, com o fim de avaliar os ganhos e perdas de cada jogador e a eficácia das estratégias usadas por eles. Assim, aborda o comportamento "racionalmente correto" em situações de conflito nas quais os participantes intencionam ganhar. É uma teoria prescritiva.

Morales e a teoria dos jogos
José Alexandre Scheinkman
Folha de S. Paulo - 07/05/2006

    Pela terceira vez em 70 anos, a Bolívia nacionalizou suas reservas de petróleo e gás natural. Diferentemente das duas primeiras ocasiões, em que os principais alvos foram empresas norte-americanas, desta vez a maior vítima foi a Petrobras.
    A decisão da Petrobras de suspender, por enquanto, novos projetos na Bolívia é sensata. Mais ainda, é o único procedimento que protege os interesses dos seus acionistas, em particular dos minoritários, no Brasil e no exterior. A Petrobras tem ADRs listadas na Bolsa de Nova York e, por lei, seus diretores têm a obrigação de defender o patrimônio da empresa.
    Essa é uma boa notícia para todos os brasileiros. Se o presidente Lula quiser subsidiar a política de Evo Morales, terá que fazê-lo com recursos do Orçamento e não poderá esconder e dividir os custos, obrigando a Petrobras a pagar a conta. E, como os políticos relutam mais a gastar quando as despesas são transparentes, o preço final da atual política externa vai ser menor.
    Além de expropriar a propriedade das empresas estrangeiras, o governo de Morales quer renegociar o contrato vigente para o fornecimento de gás. Segundo esta Folha, autoridades bolivianas sugeriram elevar o preço em 45%. No médio prazo, seria muito danoso para o Brasil perder o acesso ao gás boliviano, que constitui 50% do consumo nacional. Por outro lado, a exportação de gás natural representa 18% do PIB da Bolívia, e a sua suspensão, mesmo que temporária, arrisca jogar o país numa crise econômica profunda.
    Situações dessa natureza em que as diferentes partes barganham para chegar a um acordo são estudadas sob diversas óticas. Os economistas utilizam a teoria dos jogos para tentar entender as forças que influenciam o resultado final.
    O estudo da barganha utilizando a teoria dos jogos foi iniciado na metade do século passado pelo futuro Prêmio Nobel e personagem do filme Uma mente brilhante, John Nash. Os trabalhos mais recentes nesta literatura enfatizam que cada parte na negociação tem conhecimento imperfeito dos objetivos e custos do adversário. Por isso, é do interesse de cada participante enviar um sinal exagerado do seu custo de aceitar um pacto menos favorável. Da mesma forma, é também do interesse das partes passar a impressão de que possuem alternativas relativamente boas a um acordo. Em muitos casos, vale a pena tomar medidas que dificultem fazer certas concessões no futuro.
    Nesse contexto, entende-se o espetáculo midiático da ocupação militar das instalações petrolíferas, que tornou muito difícil qualquer recuo na expropriação. As referências assíduas das autoridades bolivianas a promessas de campanha também fortalecem a sua posição de barganha. O mesmo ocorre quando o presidente Morales aparece com o "irmão maior" Chávez -nesta quinta feira passada, por cortesia do presidente Lula-, porque a Venezuela possui os recursos técnicos e financeiros para ajudar a Bolívia se, ao contrário do esperado, houver rompimento com o Brasil. O presidente da Petrobras também emite os sinais adequados quando lembra as obrigações da empresa com seus acionistas e com as distribuidoras.
    Infelizmente, não pode se dizer o mesmo sobre as afirmações do presidente Lula ou de seus auxiliares em política externa, que dão a impressão de desejar uma composição a qualquer preço. Sem optar para o confronto inútil, os nossos dirigentes precisam dar declarações públicas que prometam que os detalhes do acordo determinarão o futuro das relações entre os dois países.
    É surpreendente, mas os bolivianos parecem compreender melhor como conduzir essa negociação.

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José Alexandre Scheinkman, 58, professor de economia na Universidade Princeton (EUA), escreve quinzenalmente aos domingos na coluna.
e-mail: jose.scheinkman@gmail.com